Urologia: Estenose de Uretra

Problema também é uma manifestação decorrente do tratamento do câncer de próstata.

Já é consenso entre os urologistas que o câncer de próstata diagnosticado em sua fase inicial tem melhor prognóstico, com maior probabilidade de cura. De forma inversa, quanto mais tarde a doença é diagnosticada, tanto o tratamento quanto o desfecho podem ser mais traumáticos e complexos.

“Os tratamentos para o câncer de próstata podem apresentar efeitos colaterais, sendo que os mais comuns são a incontinência urinária e a disfunção erétil. Mas a estenose de uretra também é outra manifestação em decorrência do tratamento da doença, sobretudo quando o câncer está em fase mais adiantada ou quando o volume da próstata é grande”, explica o urologista e uro-oncologista Marcelo Bendhack, Presidente da Sociedade Latino-Americana de Uro-Oncologia (UROLA).

Quando o câncer de próstata está em estágio localmente avançado, muitas vezes a indicação é a realização de algum tipo de cirurgia, prostatectomia radical (aberta, através da laparoscopia ou robótica). No caso da prostatectomia radical, uma das consequências pode ser a estenose da uretra — o estreitamento do canal da uretra. Após a cirurgia, pode ocorrer a deposição excessiva de tecido fibrótico como resposta cicatricial, que causa a estenose.

No entanto, mesmo outros tratamentos que não exijam a manipulação cirúrgica podem causar estenose do órgão por uso de sonda ou de equipamentos endoscópicos (introduzidos pela uretra), que podem afetar o tecido uretral, promover fibrose e entupir de forma parcial ou totalmente a uretra.

No caso do HIFU, técnica minimamente invasiva para o tratamento do câncer de próstata, desde seus estudos iniciais o objetivo foi reduzir ao máximo os riscos e efeitos colaterais, entre eles os danos para a uretra. Isto porque o HIFU evitaria lesões para a uretra, pelo fato de ser aplicado pela via retal. No entanto, tal como ocorre em outros tratamentos para o câncer de próstata (radioterapia externa ou braquiterapia, cirurgia radical, ressecção da próstata como alívio para a micção), mesmo o HIFU e a crioterapia estão associados ao risco de desenvolvimento da estenose. Isto é especialmente mais importante no paciente com indicação para terapia de salvamento, por exemplo, no paciente com recidiva após radioterapia.

A estenose também pode ser causada por traumas ou acidentes (fraturas de bacia, “queda a cavaleiro” — quando a pessoa anda sobre um muro e cai nele, sentado, ou mesmo um acidente de bicicleta que traumatiza a região do períneo –, causas congênitas, infecções na uretra por doenças sexualmente transmissíveis, e ainda decorrente de doenças do tecido conjuntivo (como o líquen escleroso).

“No mundo ocidental moderno, a causa mais comum é iatrogênica, por tratamentos médicos, como radioterapia, cirurgias endoscópicas pela uretra, ressecção da próstata, uso de sondas e por dificuldade técnica ao colocar sonda na bexiga. Mas em muitos pacientes a causa não pode ser definida ou encontrada”, relata o urologista.

As principais consequências da obstrução do canal da uretra são o fluxo reduzido de urina, diminuição do jato urinário, sensação de esvaziamento incompleto da bexiga, dificuldade em fazer xixi (como o jato duplo), gotejamento de urina após a micção, necessidade de urinar mais vezes que o habitual, vontade maior de ir ao banheiro durante à noite e ardência no momento da micção.


A estenose da uretra pode ser diagnosticada por exames de imagem, como a uretrocistografia retrógrada (injeção de contraste pelo pênis) com a ajuda de Raio-X para visualizar todo o trajeto dessa via ou ecografia da uretra, ou de laboratório como a urofluxometria, estudo do fluxo urinário. Outro exame possível é a videouretrocistoscopia, visualização direta da uretra e identificação da área doente.

Tratamentos da Estenose da Uretra:

1- Uretrotomia interna: procedimento endoscópico em que se faz um corte no ponto obstruído para alargar ou abrir a uretra. Uma pequena lâmina embutida no aparelho (cistoscópio) corta a região de fibrose. É o método mais indicado para estenoses curtas.

2- Dilatação uretral: sondas uretrais “plásticas” de calibre progressivo fazem a dilatação na região da estenose, elastecendo o tecido fibrótico da estenose a fim de aumentar o diâmetro interno do canal uretral. Alguns pacientes podem fazer a autodilatação, sobretudo quando o procedimento deve ser realizado em intervalos mais curtos. Muitas vezes este método complementa e firma o resultado obtido por um tratamento inicial como a uretrotomia interna.

3- Cirurgia a céu aberto ou uretroplastia: é o procedimento com boa taxa de sucesso, porém mais agressivo. Neste caso, a uretra estenosada pode ser extirpada e os cotos uretrais são novamente unidos com pontos de sutura. Se os pontos ficam muito distantes, enxertos ou tecidos que substituem o tecido uretral (como enxerto de mucosa bucal) podem ser usados.

*Os stents uretraisforam utilizados em casos mais complexos ou para pacientes com mais comorbidades (doenças concomitantes), mas seu uso foi suspenso devido a suas complicações.

De forma parcial ou totalmente obstruída, a estenose da uretra é mais comum em homens com idade acima dos 55 anos. Se não tratada, a estenose da uretra pode causar infecções urinárias de repetição, prostatites, retenção de urina na bexiga e até mesmo insuficiência renal.

Sobre Marcelo Bendhack

Mestre e Doutor em Urologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especialização em Uro-Oncologia pela Universidade de Düsseldorf (Alemanha). Especialista pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e Presidente da Sociedade Latino-Americana de Uro-Oncologia (UROLA). Membro do conselho da Federação Mundial de Uro-Oncologia (WUOF) e do corpo clínico do Hospital Nossa Senhora das Graças (Curitiba/PR).

Lição para o ano de 2021: como as nossas escolhas influenciam a saúde

Fatores externos são fundamentais para determinar a longevidade e, mais que isso,
a qualidade de vida que queremos para 2021 e para o futuro

Longevidade, prevenção e resoluções para um novo ano

Conversava outro dia com um amigo cientista e parceiro na Universidade de Düsseldorf, na Alemanha, sobre o que podemos desejar para 2021. Não pensamos apenas no agora, mas no futuro, porque a expectativa de vida no mundo, ainda que de forma irregular, tem aumentado significativamente.

Embora nossa conversa possa ser encarada como “divagações”, sabemos com um grau mais apurado de observação e com embasamento científico que algumas questões para 2021 não dependem exclusivamente de nós mesmos. Por outro lado, reconhecemos que até aqui fomos permeados por nossas ações conscientes e inconscientes, que nos fizeram viver da melhor e mais saudável maneira possível.

Um ponto de influência em nossas vidas são as escolhas que fazemos, o modo de vida que optamos como “seguro e saudável”, nossos relacionamentos, nossos hábitos. Tudo isso são fatores externos que, sabemos, atuam no nosso organismo, nos nossos genes, uma vez que o ambiente ajuda a determinar a nossa saúde, qualidade e tempo de vida. Por isso, mais uma vez, olhamos para o futuro sob a ótica também da epigenética, que nos ensinará como explorar essas conexões entre influências ambientais e regulação de genes.

A nossa longevidade começou no ponto de início das nossas vidas e se estende até os dias de hoje. Com o tempo, a nossa “máquina-corpo” aprendeu sozinha a se defender, a produzir anticorpos, por exemplo, contra o colapso extremo que afeta a nossa “máquina” e que, às vezes, sem a devida defesa, pode engasgar, feito carro a álcool no inverno – quem passou por isso sabe o que estou dizendo –, ou até mesmo parar de vez e nos deixar pelo caminho.

Para reduzir os riscos, a “máquina-corpo” precisa de constante manutenção, cuidados simples, como o carro que precisa de combustível, óleo e pneus bem calibrados para evitar consumo e desgastes desnecessários. Essa “manutenção” para o nosso corpo é o que chamamos de prevenção.

Prevenir, diagnosticar, tratar e cuidar
A base de conhecimento que já temos sobre genética e sobre epigenética, que ainda estudamos, beneficiará a todos na busca de uma melhor qualidade de vida, assim como para estabelecer específicos e mais precisos diagnósticos, melhores tratamentos e possíveis curas. A tendência é prever problemas que afetarão nossa saúde, de modo a evitar que determinadas doenças se desenvolvam.

O que podemos fazer individualmente é modificar o nosso estilo de vida, que vai nos ajudar a prevenir doenças evitáveis e reduzir os riscos para outras. Por outro lado, temos a base científica, que avança a passos largos. Dois exemplos importantes são a epigenética e as vacinas imunizantes contra a Covid-19, desenvolvidas em tempo recorde.

No caso da epigenética, que recorre à análise do nosso material genético, nosso DNA, localizado em todas as células do nosso corpo, a base científica está em compreender que as células não contêm apenas os bons genes necessários para a boa função do nosso corpo. Assim, a detecção epigenética da idade biológica do seu próprio organismo aponta para o nosso estilo de vida e permite que se preveja a expectativa de vida.

Sobre as vacinas, a pandemia do novo coronavírus impulsionou empresas e centros de pesquisa para que tivessem à disposição muito mais recursos para tentar desenvolver imunizantes, contou com a colaboração de cientistas de todo mundo, praticamente em tempo real, como se fosse um único time em busca de um único objetivo: salvar vidas.
 

Resoluções para um novo ano

Certamente, 2020 será um ano inesquecível sob todos os pontos de vista. A Covid-19 mudou para sempre a relação que temos com a nossa saúde, a forma como nos relacionamos e nos solidarizamos com as pessoas. Também como encaramos a vida em sociedade a partir de agora, desde nossas questões espirituais e materiais até com a economia.

Mas, em meio à pandemia e aos percalços que o novo coronavírus ainda causa na sociedade moderna mundial, melhoramos a percepção e a relação com o nosso corpo e com os cuidados com a saúde. Descobrimos “segredos” nem tão secretos assim.

Há muito tempo temos consciência de que a prevenção na saúde parte de nós, do nosso estilo de vida, na prática de atividade física constante, boa alimentação, qualidade do nosso sono e com a tão incidente pandemia mundial que é o estresse.

Esses fatores externos, cujos controles estão nas nossas mãos, são fundamentais para determinar a longevidade que pretendemos e, mais que isso, a qualidade de vida que queremos para agora, 2021 e para o futuro.

Certamente, a medicina mais individualizada não abandonará a medicina tradicional, mas mudará paradigmas e conceitos preestabelecidos. Preceitos de Hipócrates ficam cada vez mais claros ao respeitar cada indivíduo, suas dores e doenças. Neste caminho, o que podemos desejar como “resoluções para um novo ano” é um melhor 2021 para uma melhor perspectiva de vida longeva.

Se eu pudesse dar um conselho para a sua “resolução para um novo ano”, começaria recomendando prevenção, em todos e mais amplos sentidos.

Artigo publicado originalmente no Blog Letra de Médico (Veja.com)

Fonte: Letra de Médico

Autor: Marcelo Bendhack

Vencendo o Câncer de Próstata.

Este blog foi criado com a intenção de através das minhas experiências, nortear, acalmar, e até mesmo minimizar o sofrimento psicológico causado com o diagnóstico de câncer de próstata.

Ao tomar conhecimento de que está com “câncer” o mundo para e os pensamentos se limitam à “câncer”. O apoio da família e dos verdadeiros amigos é imprescindível nessa fase, pra mim o diagnóstico foi o mais difícil, sem esse apoio da família e amigos a tendência é se recolher, se isolar e iniciar um processo de depressão, o que certamente vai atrapalhar ou fazer mais lento o sucesso de qualquer tratamento.

“O câncer não é uma sentença de morte”, há vários tratamentos com bastante eficácia para cada caso, contudo só a conscientização de realizar exames preventivos e poder diagnosticar o câncer em uma fase inicial aumenta as possibilidades de cura.

Tenha Fé.

Câncer de Próstata: Terapia Focal como melhor Estratégia Terapêutica

O câncer de próstata é um dos tumores mais frequentes no mundo todo. No Brasil, é o segundo mais comum entre os homens e, em valores absolutos e considerando ambos os sexos, também é o segundo mais prevalente.

Consenso entre médicos, entidades e órgão nacionais e internacionais de saúde, os exames preventivos devem ser realizados periodicamente pela população em geral. A partir deles, especialistas de qualquer área médica realizarão as avaliações diagnósticas necessárias. A partir dos resultados, indicações serão apresentadas para definir o melhor tratamento, procedimento ou cirurgia. E, após o tratamento, possíveis novas avaliações e/ou acompanhamento.

Para homens a partir dos 45 anos de idade, os exames preventivos são importantes para o rastreio do câncer de próstata – justamente por ser muito comum entre os homens. Inicialmente, urologistas e uro-oncologistas se utilizam para o diagnóstico os exames de toque e de PSA (Antígeno Prostático Específico), este por meio da dosagem no sangue. São exames padrão e recomendados nas primeiras investigações dos pacientes.

Estudo comparativo e tratamentos

Quando diagnosticado o câncer de próstata, médico e paciente (e até familiares) decidirão as possibilidades de tratamento em conjunto, levando em conta diversos fatores, como técnicas, procedimentos e cirurgias que estão no escopo para o tratamento, métodos mais indicados e avançados e a qualidade de vida do paciente após tratamento.

Entre as questões que pairam sobre homens diagnosticados com câncer de próstata, a primeira é a busca pela cura, o desejo de continuar vivendo. Outras duas preocupações comuns dizem respeito aos efeitos colaterais pós-tratamento – e, às vezes, ao longo da vida. No caso do câncer de próstata, as sequelas mais comuns podem ser a incontinência urinária e a impotência sexual (disfunção erétil).

Recentemente foi apresentada uma análise com resultados do controle do câncer de próstata que envolveu dados comparativos entre terapia focal e cirurgia radical (prostatectomia).

Há um consenso geral de que os homens com câncer de próstata de risco intermediário a alto têm mais benefícios com o tratamento ativo, enquanto aqueles diagnosticados com câncer de baixo risco podem seguir com vigilância ativa, ou seja, o monitoramento do câncer de próstata por meio de exames e consultas, que podem evitar ou postergar a execução de procedimentos e cirurgias.

O estudo em análise, Focal therapy compared to radical prostatectomy for non-metastatic prostate cancer: a propensity score-matched study¹, publicado pela Springer Nature (28 January 2021), identificou que a terapia focal foi avaliada como a melhor estratégia para o tratamento do câncer de próstata.

Comumente indicado, os tratamentos radicais de glândula inteira, como prostatectomia radical ou radioterapia radical, apresentam resultados oncológicos favoráveis, porém geralmente com um alto grau de efeitos colaterais, notadamente incontinência urinária e disfunção erétil.

A terapia focal envolve a ablação apenas das áreas afetadas pelo câncer, reduzindo assim danos ao tecido colateral, como feixes neurovasculares, esfíncter urinário externo, colo da bexiga e reto.

Essa estratégia de preservação de tecido não é incomum em outros cânceres de órgãos sólidos. No câncer de próstata, após estudos de fase inicial, os dados de outros grandes estudos prospectivos multicêntricos mostraram melhores taxas de controle do câncer a curto e médio prazo ao usar tecnologias ablativas focais, entre elas o ultrassom focado de alta intensidade (HIFU) e a crioterapia. Vale destacar que o HIFU apresenta baixas taxas de efeitos colaterais, como já demonstrado em diversos outros estudos internacionais.

Em pacientes com câncer de próstata de risco intermediário e baixo, não metastático, os resultados oncológicos ao longo de 8 anos foram semelhantes entre a terapia focal e a prostatectomia radical.

Enquanto os médicos aguardam os resultados dos ensaios clínicos randomizados que comparam diretamente a terapia focal à terapia radical, dados como esses podem ser usados para aconselhar melhor os pacientes sobre suas opções de tratamento.

Os dados da análise foram coletados entre novembro/2005 e setembro/2018 em dois registros de terapia focal multicêntrica prospectiva usando HIFU e crioterapia e um registro prospectivo de prostatectomia radical laparoscópica.

A prostatectomia radical com preservação dos nervos unilateral ou bilateral foi realizada conforme determinado pelo cirurgião operatório e pelas características do tumor do paciente. Não foi realizada a dissecção de rotina dos linfonodos.

Todos os pacientes foram submetidos a testes de PSA trimestrais durante o primeiro ano e semestralmente durante 2 anos e, depois, anualmente. Os pacientes que se submeteram à terapia focal também foram submetidos a uma ressonância magnética multiparamétrica (mpMRI) durante 12 meses com realização de biópsias caso houvesse suspeita de câncer residual.

Após prostatectomia radical, os pacientes receberam radioterapia de resgate, terapia de privação de androgênio ou vigilância com base no PSA. O teste de PSA supersensível foi usado após a radioterapia de resgate com prostatectomia radical na presença de fatores de risco para recorrência e um aumento consistente do PSA pós-operatório.

No entanto, dados já apresentados em outros estudos apontam benefícios significativos da terapia focal para o tratamento do câncer de próstata. Especificamente sobre o HIFU, outros estudos internacionais já o indicavam para o câncer localizado de baixo, médio e alto risco. Entre os métodos disponíveis para o tratamento do câncer de próstata, a técnica HIFU é a que apresenta os menores índices de efeitos colaterais, de 0 a 2% para incontinência urinária e de 5 a 26% para disfunção erétil, baixa taxa de mortalidade e alto índice de sobrevida livre de metástases após 10 anos, com taxas aceitáveis de morbidade.

A análise de comparação combinada entre a terapia focal e a prostatectomia radical para o tratamento de câncer de próstata não metastático mostrou que a terapia focal apresentou controle do câncer semelhante à prostatectomia radical.

Sobre Dr. Marcelo Bendhack

Doutor em Uro-Oncologia pela Universidade de Düsseldorf (Alemanha) e Graduado em Urologia e Doutor em Cirurgia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Presidente da Sociedade Latino-Americana de Uro-Oncologia (UROLA) e especialista pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU). Membro do conselho da Federação Mundial de Uro-Oncologia (WUOF). Membro titular do corpo Clínico e Chefe do Serviço de Uro-Oncologia do Hospital Nossa Senhora das Graças (Curitiba/PR). Professor da Pós-graduação – HCV – Universidade Positivo (Curitiba/PR).

¹Focal therapy compared to radical prostatectomy for non-metastatic prostate cancer: a propensity score-matched study¹, publicado pela Springer Nature, 28 January 2021; https://www.nature.com/articles/s41391-020-00315-y

CÂNCER DE PRÓSTATA: 10 ANOS DO HIFU NO BRASIL

Na manhã do dia 19 de janeiro de 2011 uma nova técnica para o tratamento do câncer de próstata era aplicada pela primeira vez no Brasil. No centro cirúrgico do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba (PR), o urologista e uro-oncologista paranaense Marcelo Bendhack foi o responsável pela aplicação do HIFU (High Intensity Focused Ultrassound, Ultrassom Focalizado de Alta Intensidade, em português) para o tratamento do câncer de próstata, técnica até então inédita no País.

A primeira aplicação do HIFU no Brasil recebeu apoio de médicos e cientistas da Alemanha, Inglaterra, Suíça e Estados Unidos. No entanto, a história do HIFU no Brasil começa bem antes e no outro lado do Atlântico. Precisamente, na Universidade Heinrich Heine de Düsseldorf, na Alemanha. Bendhack, doutor em cirurgia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em uro-oncologia pela Heinrich Heine, acompanhou os dois anos iniciais dos estudos com HIFU para o tratamento do câncer de próstata, sob orientação do Prof. Dr. Rolf Ackermann, Chefe de Urologia da Universidade alemã.

O avanço clínico e tecnológico aumentou o interesse na ablação de outros tumores com HIFU.  Ao receber aprovação da Comunidade Européia, a primeira validação médica da tecnologia para a próstata, o Prof. Dr. Rolf Ackermann realizou a pioneira aplicação com HIFU na próstata em 1992. Os estudos do Dr. Rolf Ackermann foram concluídos em 1995.

História do HIFU no mundo

Os primeiros estudos com HIFU, para ablação não invasiva, foram relatados no início dos anos 1940. Posteriormente, nas décadas de 1950 e 1960, William Fry e Francis Fry, ambos da Universidade de Illinois, e Carl Townsend, Howard White e George Gardner, no Interscience Research Institute de Champaign, Illinois, aprensetaram resultados de tratamentos clínicos para problemas neurológicos, com aplicação do ultrassom de alta intensidade de modo estereotáxico para realizar a ablação precisa de tumores cerebrais.

Antes de 2011, e até hoje, cirurgias, radioterapia e outros tratamentos para o câncer de próstata são alternativas, assim como a crioterapia e a braquiterapia. Mas o fato de a técnica HIFU economizar tecidos adjacentes e evitar o emprego de materiais cortantes (especialmente agulhas de introdução, usadas em ambas as técnicas citadas acima) reduziu os efeitos colaterais e, ao mesmo tempo, os resultados oncológicos foram bastante efetivos. Hoje, muitos urologistas, oncologistas e uro-oncologistas aplicam o HIFU como método de escolha.

A evolução da técnica determinou sua aplicação para casos de câncer de próstata de baixo, médio e alto risco. Segundo Bendhack, para os casos de alto risco, o pensamento é semelhante àquele empregado por outras técnicas e tratamentos cirúrgicos e não cirúrgicos, como cirurgia ou radioterapia. Ou seja, para a doença de alto risco a tendência é de resultados menos favoráveis, tal como em qualquer outra técnica ou procedimento normalmente indicado.

Energia Acústica

O HIFU utiliza energia acústica (ultrassônica) num ponto específico da próstata. Os feixes de ultrassom geram calor e se concentram numa região ocupada apenas por células doentes. Quando a energia atinge o local determinado dentro do corpo, a temperatura é elevada para cerca de 90 a 98ºC em questão de segundos, o que resulta na destruição do tecido – apenas o tecido alvo (habitualmente o canceroso) é atingido pela energia ultrassônica. Se o tumor se encontra na área de aplicação, ele será eliminado.

Experiência e Resultados

Bendhack descreve alguns casos em particular. Cita como exemplo um grupo de pacientes com escore de Gleason 8 – a escala Gleason é usada para definir o grau de alterações nas células do câncer de próstata e variam de 2 a 10; não são consideradas pontuações abaixo de 6 (tumores de baixo grau); Gleason 7 é apontado para tumores de grau intermediário; Gleason de 8 a 10 para os tumores de alto grau.

O grupo de pacientes com Gleason 8 teve bom tempo de evolução e resultados extremamente favoráveis. Mas o médico paranaense alerta que sempre é preciso esclarecer muito bem os pacientes sobre as vantagens e desvantagens do método, quando comparado a outros tratamentos, sendo que a indicação para casos de alto risco não deve ser indiscriminada, mas de forma muito criteriosa.

Ainda segundo o urologista, outra indicação importante e sustentável do ponto de vista de evidências científicas é para casos de recidiva local após tratamentos primários, como a cirurgia (indicações mais especiais) e a radioterapia. Ao verificar recidiva local, o chamado HIFU de salvamento é uma das melhores formas de terapia local de resgate, mesmo em casos com graus mais elevados da doença, chamados “alto risco”.

FDA aprovou o HIFU em 2015

Até 2017, mais de 50 mil pacientes já haviam sido tratados com o HIFU em todo mundo. Hoje, as estimativas apontam para mais de 100.000 pacientes. Estima-se que no Brasil mais de 1.200 pacientes já tenham se beneficiado com o método. Como pioneiro na aplicação do HIFU no Brasil, Bendhack já tratou mais de 500 pacientes.

A agência sanitária dos Estados Unidos, a FDA (Food and Drug Administration, a ANVISA americana), concedeu a permissão para o HIFU em 2015, para emprego da técnica sobre a próstata, para eliminar seu tecido, seja benigno ou maligno. Além dos Estados Unidos, o HIFU tem autorização regulatória em mais de 48 países, pela Comunidade Europeia, Japão, Canadá, México e, mais recentemente, na China. No Brasil, tem aprovação da Anvisa desde 2008.

Nestes últimos 10 anos, a evolução principal da terapia HIFU se deu no âmbito da escolha e definição da área a ser tratada. Devido a influência dos trabalhos científicos ingleses a partir de 2014, o campo de tratamento foi muitas vezes reduzido, restrito a áreas da próstata doentes e suspeitas, o que gerou muitas dúvidas por parte de médicos iniciantes neste tratamento.

Além da parte clínica, a indústria também avançou na tecnologia dos aparelhos para aplicação do HIFU. Nos equipamentos produzidos a partir de 2010 são incorporados o TCM (tissue changing monitoring, monitor da mudança de tecido). Este dispositivo avisa ao médico se a energia entregue no ponto desejado foi efetiva e se determinou seu efeito adequado de tratamento. Em caso de energia insuficiente, o aparelho permite reaplicar a energia novamente no mesmo ponto desejado, o que se considera como uma vantagem técnica.

Internação 

Com a pandemia de Covid-19 em alta em muitos países europeus, nos EUA, na Índia e no Brasil, naturalmente ocorreu diminuição no número de cirurgias eletivas, seja por estrutura em centros médicos ou por receio por parte dos pacientes. Para Bendhack, o HIFU é uma opção importante e segura para o paciente neste momento, uma vez que é minimamente invasiva e requer poucas horas (24h/36h) de internação.

“A pandemia do novo coronavírus desencadeou nas pessoas o entendimento essencial sobre o conceito de qualidade de vida, além do tempo de vida. Trouxe a real condição de que somos mortais de forma mais próxima de nossas consciências e, por isso, a necessidade de preservar ao máximo nossa qualidade de vida”, avalia o urologista e uro-oncologista paranaense.

Além de minimamente invasivo e poucas horas de internação, estudos internacionais apontam que o HIFU é o tratamento com menos efeitos colaterais, como incontinência urinária e disfunções sexuais, como a falta de ereção, e é associado a excelentes resultados oncológicos.

Estudos Científicos [¹, ², ³, 4]

Recentemente, em outubro de 2020, pesquisadores publicaram no The Journal of Urology (American Urological Association) um dos maiores estudos em série sobre HIFU dos Estados Unidos, como tratamento primário para câncer de próstata.

O estudo acompanhou 100 homens submetidos ao tratamento com HIFU por um período de 5 anos (dezembro de 2015 a dezembro de 2019). Os resultados de curto prazo indicam segurança e preservação do órgão, ausência de incontinência urinária e controle do câncer de próstata. O tratamento radical foi evitado em 91% dos homens após 2 anos.

Outros pesquisadores, como Thüroff e Chaussy*, já apresentaram dados consistentes para o tratamento com HIFU, para o câncer da próstata localizado em um período de 15 anos. Dos 704 pacientes avaliados, 78,5% apresentaram risco intermediário ou alto, com sobrevida pós-câncer específica de 99% (em 1,3 a 14 anos de seguimento) e alta taxa de ausência de necessidade de tratamentos de salvamento para pacientes de baixo risco. As taxas de comorbidades perioperatórias foram baixas, com morbidade grave ausente e índices de controle oncológico suficientes em 10 anos. Segundo o estudo, o HIFU combinado com a ressecção pode determinar ablação tumoral local completa com baixa invasividade.

Depois de tantos anos sendo aplicado no Brasil e em diversos países, são os estudos e a prática clínica os maiores indicadores de que o HIFU não é experimental. É apontado como um dos mais importantes tratamentos para o câncer de próstata, com altos índices de sobrevida (incluindo casos de recidiva), menor risco de complicações e sequelas, menor tempo de recuperação e consequente melhor qualidade de vida para o paciente.

Câncer de Próstata – Incidência e estudos [¹, ², ³, 4]

Segundo tumor mais comum e a terceira principal causa de morte em homens no mundo, o câncer de próstata é cada vez mais identificável precocemente, tratável e com bons prognósticos – elevados índices de sobrevida.

O aumento de incidência da doença em todo mundo tem algumas variáveis, como o avanço nos programas de prevenção, informação, evolução dos métodos diagnósticos, novas tecnologias e o aumento na expectativa de vida. É considerado como câncer da terceira idade, uma vez que ¾ dos casos ocorrem a partir dos 65 anos.

CÂNCER

Estimativa Mundial e no Brasil

  • Estimativa de 19,3 milhões de pessoas diagnosticadas com câncer e 10 milhões morreram de câncer em todo o mundo em 2020. Globocan 2020 (IARC/OMS)
  • Casos Globais: Mama: 11,7%; Pulmão: 11,4%; Colorretal: 10%; Próstata: 7,3%

Incidência x 100.000 – OMS / GLOBOCAN 2020

  • Mama: 47.8; Próstata: 30.7; Pulmão: 22.4; Colorretal: 19.5
  • Incidência em homens (10 milhões) representa 53% dos casos novos, sendo um pouco maior nas mulheres, com 8,6 milhões (47%) de casos novos.
  • Tipos de câncer mais frequentes nos homens: Pulmão (14,5%), Próstata (13,5%), Cólon e Reto (10,9%), Estômago (7,2%) e Fígado (6,3%).
  • Tipos de câncer mais frequentes nas mulheres: Mama (24,2%), Cólon e Reto (9,5%), Pulmão (8,4%) e Colo do útero (6,6%) (BRAY et al., 2018).

BRASIL *INCA – Estimativa para cada ano do triênio 2020-2022

  • 625 mil casos novos de câncer (450 mil, excluindo os casos de câncer de pele não melanoma).
  • Câncer de pele não melanoma (177 mil)
  • Mama e próstata (66 mil cada)
  • Cólon e reto (41 mil)
  • Pulmão (30 mil)
  • Estômago (21 mil)

[¹ ² ³ 4] High Intensity Focused Ultrasound Hemigland Ablation for Prostate Cancer: Initial Outcomes of a United States Series. Andre Luis Abreu, *Samuel Peretsman, Atsuko Iwata, Aliasger Shakir, Tsuyoshi Iwata, Jessica Brooks, Alessandro Tafuri, Akbar Ashrafi, Daniel Park, Giovanni E. Cacciamani, Masatomo Kaneko, Vinay Duddalwar, Manju Aron, Suzanne Palmer e Inderbir S. Gill.

[¹ ² ³ 4] Ganzer R1, Fritsche HM, Brandtner A, Bründl J, Koch D, Wieland WF, Blana A: Fourteen-year oncological and functional outcomes of high intensity focused ultrasound in localized prostate cancer.BJU Int. 2013 Aug; 112(3): 322-9. doi: 10.1111/j.1464-410X.2012.11715.x. Epub 2013 Jan 28.

[¹ ² ³ 4]  Crouzet S1, Chapelon JY2, Rouvière O3, Mege-Lechevallier F4, Colombel M5, Tonoli-Catez H5, Martin X5, Gelet A6: Whole-gland ablation of localized prostate cancer with high-intensity focused ultrasound: oncologic outcomes and morbidity in 1002 patients. Eur Urol. 2014 May;65(5):907-14. doi: 10.1016/j.eururo.2013.04.039. Epub 2013 Apr

[¹ ² ³ 4] Transrectal High-Intensity Focused Ultrasound for the Treatment of Localized Prostate Cancer: Current Role

[¹ ² ³ 4]* Thüroff S1Chaussy C: Evolution and outcomes of 3 MHz high

intensity focused ultrasound therapy for localized prostate cancer during 15 years.J Urol. 2013 Aug;190(2):702-10. doi: 10.1016/j.juro.2013.02.010. Epub 2013 Feb 13.